Ela fechou os olhos e baixou a cabeçorra ursina. Num mesmo instante o ar do salão pareceu desaparecer, provocando um vácuo silenciosamente perturbador. A pressão pareceu elevar-se a níveis insuportáveis, fazendo-me empreender um esforço sobre-ursino para manter o corpo sentado sobre a cadeira e não desabar de bruços, colando-me ao chão. 

Palavras desconexas saíam de sua boca. A cabeça se ergueu com energia e agilidade, seus olhos, dantes redondos e amendoados, eram de um branco brilhante e raios faiscantes emanavam deles. Ela pousou a pata esquerda enorme sobre a cabeça do sapo com força e disse com uma voz gutural:

- Das profundezas dos lagos mais calmos e tenebrosos, "Elober, O Sapo" - um choque pareceu percorrer o anfíbio-humanoide evidente pelo rápido tremelique de sua cabeça [e com certeza de todo seu corpo, mas isso não posso precisar pois minha própria estatura e a do sapo não permitia ter essa visão].

Ela retirou a pata de cima do sapo e pousou a outra sobre os cabelos brancos do homem-corcunda-deprimido. Novamente a voz gutural que era expelida pela bocarra da ursa, pronunciou:

- Dos confins do reino das nuvens, na vastidão celestial, "Kasyn, O Anjo Ferido" - todo o corpo do corcunda se chacoalhou em espasmos frenéticos que cessaram assim que ela retirara a pata de sua cabeça branca. 

E quando pensei que ela se levantaria para dirigir-se a mim e à mulher de cabelos em chamas, a sala toda se afastou, tornando-se ainda maior, e a ursa cresceu e se esticou como uma titã de seis metros de altura, ainda sentada à mesa conosco. Esticou seu braço colossal [pelo menos era o que parecia aos meus olhos, comparado à minha baixa estatura] e envolveu toda a cabeça da mulher com sua pata descomunal. Parecia que esmagaria a cabeça dela.

- Das gélidas e rarefeitas montanhas nevadas com sua beleza fria e petrificante, "Misbel, Dedos Glaciais" - disse com sua voz ainda mais grave, e uma reverberação que senti em todas as partes do meu corpo [todas mesmo!]. Penso que se uma montanha rochosa soubesse falar, aquele seria seu tipo de voz.

E mais uma vez, a criatura tocada pela pata da ursa recebe uma descarga de raios, convulsionando todo o corpo e [não pude deixar de reparar] fazendo os seios volumosos [eram tão volumosos assim antes? como não percebi?] balançarem sensualmente e então repousarem firmes.

Então, chegou minha vez. Meu coração disparou. Suor NÂO escorria pelo meu corpo [afinal, ursos não transpiram dessa forma], mas me sentia derreter. A mão dela aproximou-se mais e mais do topo da minha cabeça, acabando por espremer o gorro entre a patorra e minha cabecinha. A pata se fechou envolvendo todo meu corpo minúsculo. Senti o ar sair dos pulmões, e toda a vida se esvair de mim. Então tudo rodopiou e brilhou num misto de cores e luzes.



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    Smaily Carrilho é escritor nas horas vagas quando a imaginação lhe perturba até materializar palavras em arquivos de computadores ou blogs/sites/redes sociais.

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    Janeiro 2014

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