Dores lancinantes no topo da cabeça me despertam. Abro lentamente os olhos desacostumados à luz do dia. A visão é de um bege embaçado [o teto talvez?]. Sinto cheiro de ervas no ambiente. Meus pelos me protegem do frio, mas percebo que o local onde estou repousado é duro e gélido [uma pedra talvez?]. Espero que não seja para um sacrifício. Odiaria ser sacrificado sem nem mesmo saber o que aconteceu para vir parar aqui. 

Faço um esforço mental para me lembrar do passado, mas tudo o que vem à mente é uma escuridão densa e intransponível. Tento me sentar, o corpo vacila e treme. Consigo me manter ereto. Olho para meu corpo. As imagens estão melhorando. Sou todo peludo, um pelo grosso porém macio, cor de chocolate. Posso ver que estou dentro de um cômodo de algum tipo de residência [minha casa?]. Não, não creio. Este lugar não passa nenhuma sensação familiar. 

A cama tem seu lado direito colado à parede. Do lado oposto, há uma mesinha com um copo rústico cheio de um líquido [água?] e um prato de comida: pedaços de leguminosas e um generoso corte de carne. Meu estômago ronca [eu estava com fome?]. Não percebi antes. Devoro a comida com afinco. A impressão é que não como a eras. Sorvo todo o líquido do copo [algum tipo de chá] de uma só vez sem parar para respirar, derramando parte dele em meus pelos faciais. Foi a melhor refeição que tive na vida [claro, não me recordo de nenhuma outra...].


A porta do cômodo se abre com um ranger agudo. Deve ser uma casa bem antiga ou seus moradores não têm tanto zelo pelo local. Alguém adentra o recinto e se aproxima. É uma ursa de idade avançada. Os pelos grisalhos são evidentes por todas as partes do corpo não cobertas por vestimentas bastante surradas e simples, quase um único manto cor de palha, com uma corda amarrada na cintura.

- Oh, enfim acordou! - diz ela em um tom amigável e carinhoso - Vejo que adorou a comida. Muito bom, muito bom. Logo logo estará totalmente recuperado. - [Recuperado? O que diabos aconteceu comigo?] 

Não importuno-a com questionamentos. Agora não é o momento, ainda não estou pronto para processar quaisquer informações sobre mim. Apenas agradeço a gentileza.

- Meus sinceros agradecimentos, senhora. A comida estava simplesmente fantástica.

- Obrigada. - responde com alegria e um enorme sorriso, logo dando lugar a uma cara fechada - quem dera aquele velho rabugento reconhecesse isso... - [estaria se referindo a um companheiro? talvez marido?] 

No instante seguinte seu rosto retomou à expressão carinhosa e aconchegante.

- Bom, vou deixá-lo à sós para que coloque estas roupas e venha conhecer o pessoal. 

Não havia reparado antes, mas ela segurava panos dobrados em suas mãos [não, ela não tinha nada nas mãos quando entrou... Espera, isso quer dizer que estou pelado em frente a uma senhora desconhecida?]. Ela joga os panos para mim que os agarro no ar já tampando minhas intimidades [acho que ela sentiu a vergonha me dominar].

Antes de sair, me dirige uma pergunta:

- A propósito, qual é o seu nome?

- Eu me chamo... Meu nome é... - procuro nos olhos dela uma pista, um relance que talvez indique qual seria meu nome - Eu, eu... eu não sei.

- Tudo bem, querido. Não force tanto sua linda cabecinha fofinha assim. Quando se lembrar, estaremos aqui para ouvir. Se não, podemos te dar um novo nome. - disse dando uma piscadela marota e fechando a porta ao sair.



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    Smaily Carrilho é escritor nas horas vagas quando a imaginação lhe perturba até materializar palavras em arquivos de computadores ou blogs/sites/redes sociais.

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    Janeiro 2014

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